Olá pessoal!! Como estão? Como foi a
semana de vocês? Estão preparados para uma leitura “dolorosa”?
Bom, hoje vamos falar do ritual da Tucandeira.
O ritual da Tucandeira é uma prática
comum da tribo Sateré-mawéé oferecido pelo Tatu-Grande, Sahu-Wato, o que
valoriza as relações com a terra e com a sexualidade. As formigas tucandeiras
ou tocandiras (Dinoponera), medindo entre 2,2cm a 2,5cm, provocam
ferroadas dolorosas, e são usadas nesses rituais. O cantor (wepyhat) é
também o dirigente do ritual. Na noite da véspera, as formigas são colocadas em
recipiente com folhas do cajueiro, o que as faz adormecerem. No dia seguinte,
são retiradas do recipiente e colocadas, com o abdome e o ferrão na parte
interna e a cabeça de fora, na luva de fibras com elementos que simbolizam
animais. Ao acordarem esses insetos se tornam agressivos, mexendo continuamente
os ferrões. De acordo com o mito, as formigas estão relacionadas aos pelos
pubianos da sedutora mulher-cobra existente no reino subterrâneo, e foram
trazidas ao mundo sateré-mawé pelo Tatu-Grande. Na construção mítica, a luva
adornada de penas representa a vagina e os pelos pubianos da mulher-cobra.
A iniciação masculina se completa
quando o jovem, em meio a danças e cantos e com os braços pintados com tinta
preta do jenipapo, enfia a mão na luva e assim permanece por alguns minutos.
Calçar a luva simboliza o contato sexual com a mulher-cobra, o que previne o
rapaz contra doenças e o qualifica para os importantes papéis sociais masculinos
(Kapfhammer, 2004). Como prova de força e resistência, os homens se submetem ao
Ritual da Tucandeira ao menos vinte vezes durante a vida adulta.
O veneno das formigas Dinoponera é constituído
de complexos de moléculas orgânicas, proteínas, peptídeos, lipídeos, aminas
vasoativas (norepinefrina, histamina e dopamina) e algumas enzimas, como
fosfolipases, hialuronidases e fosfatases. O veneno e importante também por
desencadear reações alérgicas em humanos e por apresentar aplicações
terapêuticas.
Esse veneno desempenha importante
papel na defesa da colônia e possui um potencial terapêutico de grande valor,
particularmente em estudos de reumatismo e artrite. Algumas substâncias também
têm sido amplamente utilizadas em pesquisas básicas sobre propriedades das
membranas biológicas naturais e sintéticas e no entendimento de mecanismos
anti-inflamatórios.
Um estudo feito por Haddad Junior e
colaboradores (2005) relataram os aspectos clínicos de um paciente que sofreu
picada de Dinoponera, observando edema, eritema e dor excruciante. A evolução
do envenenamento levou a fenômenos sistêmicos imediatos como: sudorese fria,
náuseas, vômitos, mal estar, taquicardia e linfadenopatia. Após três horas, a
dor intensa persistia e a vítima apresentou um episódio de hematoquesia. O uso
de medicamentos analgésicos, água quente e gelo não melhorou a dor, que somente
diminuiu após oito horas, tendo permanecido por cerca de 24 horas.
Nesse estudo, ainda, os eventos
fisiopatológicos após o envenenamento por picada de Dinoponera foram amplamente
investigados. Constatou-se que os componentes do veneno do inseto podem ter
efeitos tóxicos diretos ou podem provocar sensibilização e depois resultar em
reações alérgicas à picada subsequente. Em adição a sinal específico e sintomas
diretamente relacionados aos componentes do veneno, os indivíduos uma síndrome
de resposta inflamatória sistêmica. Os componentes dos venenos induzem a
produção de citocinas pró-inflamatórias e dano tecidual. Citocinas inibitórias,
que exercem efeitos negativos sobre as células ou inibe a síntese e a função de
outras citocinas também têm sido descritas em resposta à rede celular.
Isto no mostra mais uma vez o quanto
a bioquímica está enraizada em nossas vidas. E aí, o que acharam? Conta pra
gente... Até a próxima!!
REFERÊNCIAS
BOTELHO, João Bosco; WEIGEL, Valéria Augusta C.M.. Comunidade
sateré-mawé Y'Apyrehyt: ritual e saúde na periferia urbana de Manaus. Hist. cienc. saude-Manguinhos,
Rio de Janeiro , v. 18, n. 3, p. 723-744, Set. 2011 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702011000300007&lng=en&nrm=iso>.
Acesso em
28 Abr. 2015.
Haddad Junior, V., Cardoso, JLC., Moraes, RHP., 2005. Description of an injury in a human caused by a false tocandria with a revision on folkloric, pharmacological and clinical aspects of the giants ants of the genera Paraponera and Dinoponera. Rev. Inst. Med. Trop. 47, 235-238.
KAPFHAMMER,
Wolfgang De 'sateré puro' (Sateré sese) ao 'novo sateré' (Sateré pakup):
mitopráxis no movimento evangélico entre os Sateré-mawé. In: Wright, Robin
(Org.). Transformando os deuses: igrejas evangélicas, pentecostais e
neopentecostais entre os povos indígenas no Brasil. Campinas: Editora da
Unicamp. p.101-140. 2004.
SANTANA, Flávia Assumpção. Imunogenicidade do veneno de Dinoponera
australis (Hymenoptera, Formicidae, Ponerinae). 2008. 78 f. Tese
(Doutorado)-Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2008.
GRUPO B
ResponderExcluirBoa noite, pessoal! Nossa, sentimos a agonia daqui! Postagem muito interessante a respeito das práticas culturais de algumas tribos indígenas que podem ser nocivas à saúde dos participantes em virtude da toxidade do veneno desses pequenos animais utilizados no ritual e que devem ser observadas com cuidado pelos serviços de saúde do país a fim de analisar os riscos e intervir para garantir a saúde da população, através da educação, por exemplo. Então, voltando a bioquímica, a causa dessa dor excruciante deve-se a neurotoxina , poneratoxina, principal componente do veneno da "bullet ant", a toxina age nos canais de sódio dependentes de voltagem e bloqueia sinapses no sistema nervoso central. Desesperador, imaginar, o sofrimento dos jovens em fase de "promoção" a maioridade e os possíveis danos a integridade física dos mesmos :( . Até a próxima!
Nossa, que agonia dessas formigas. Muito legal vocês falarem um pouco do lado místico.
ResponderExcluirEssas picadas devem ser realmente dolorosas já que as citocinas estão intimamente ligadas com a dor. As citocinas são polipeptídeos ou glicoproteínas extracelulares, hidrossolúveis, variando entre 8 e 30 kDa e são redundantes em suas atividades. Muitos trabalhos clínicos têm utilizado anticorpos para neutralizar
citocinas específicas no tratamento de acidente vascular encefálico, doença de Alzheimer, doenças autoimunes, cicatrização de feridas e esclerose lateral amiotrófica, assim como o uso local ou sistêmico de citocinas anti-inflamatórias
ou de antagonistas de citocinas pró-inflamatórias (como glicocorticoides, talidomida e pentoxifilina) na dor crônica. Esses antagonistas ou citocinas anti-inflamatórias poderiam romper o ciclo de hiperexcitabilidade dos neurônios sensitivos, promovendo uma nova abordagem terapêutica não opioide para a dor patológica causada por inflamação ou lesão nervosa periférica. Nesse artigo, se interessa, falar mais sobre o assunto. Citocinas e Dor - http://www.scielo.br/pdf/rba/v61n2/v61n2a14.pdf
Até a próxima postagem!
GRUPO A
Uau! Que cultura corajosa! Uma coisa bastante interessante é que o veneno das formigas Dinoponera são usados para tratar a Asma e dores de ouvido!! Em um estudo da cultura popular na Bahia, foram registrados 95 animais utilizados como recursos zooterapêuticos, segundo os nomes comuns. Deles, são extraídas diversas matérias-primas empregadas na elaboração de remédios populares visando à cura de um grande número de enfermidades e doenças. A aplicação dos remédios varia de acordo com a natureza da enfermidade, do objetivo de uso e dos ingredientes utilizados. A maior parte dos remédios populares é administrada na forma de chás, seguindo-se os defumadores e o uso tópico. O fenômeno zooterápico faz parte de um sistema médico tradicional bastante complexo, no qual estão incluídas, entre outras práticas populares de cura e prevenção de doenças, as simpatias e as profilaxias mágicas, tais como patuás, bentinhos, amuletos, talismãs, gestos e transferências.
ResponderExcluirMELO, Maria de Fátima. Uso da fauna na medicina popular no município de Alagoa Nova-PB. 2012.
NETO, Eraldo Medeiros Costa; MEDEIROS, Eraldo. A zooterapia popular no Estado da Bahia: registro de novas espécies animais utilizadas como recursos medicinais. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 16, 2011.
Grupo G
ResponderExcluirO legal de tudo isso não só é apenas pensar em como o veneno age, mas também em como algumas substâncias podem impedir a dor, criando assim uma "seleção natural" diante da seleção artificial criada pela tribo.
O rito, que está relacionada ao início da vida sexual, pode selecionar positivamente aqueles meninos mais valentes, ou seja que tem ou maior tolerância à dor ou fatores naturais que impedem a ação das substâncias químicas no organismo, fazendo com que os indivíduos que resistem à prova sejam tidos por emancipados e aptos para o casamento e, consecutivamente, à procriação.
Sobre a tolerância à dor, sabemos que a dor age em diferentes formas em diferentes indivíduos. Ao lado dos aspectos anatômicos e bioquímicos, existem também os aspectos emocionais no fenômeno doloroso. A quantidade e a qualidade da dor variam de pessoa para pessoa e dependem de alguns fatores pré-determinados, como por exemplo: entendimento da situação (se preparando emocionalmente para isso), experiência prévia (traumas psicológicos podem elevar consideravelmente a dor), níveis de atenção, de concentração e de ansiedade naquilo que provoca a dor também podem influenciar sua percepção.
A dor pode ser desencadeada por vários tipos de estímulos, que são basicamente estímulos dolorosos mecânicos, térmicos e químicos. No caso do rito, o mecânico e o químico são os que prevalecem, com a picada e com a injeção do veneno.
http://www.biomania.com.br/bio/conteudo.asp?cod=3184
http://e0mc2.blogspot.com.br/2011/09/dor.html
Ótimo post, meninas. A saliva das formigas tucandeiras, citadas no post de vocês, quando é inoculada em uma pessoa pela ferroada, produz dor local por causa da ação do ácido fórmico. Essa substância também é chamada de ácido metanoico e tem fómula CH2O2. E em alguns casos, esse ácido é usado no tratamento das dores articulares. Mas o contato com essa substância também pode provocar forte reação irritativa, uma hipersenbilidade de contato caracterizada por eczema da pele no local, que induz respostas endógenas que afetam a imunidade do corpo por meio de fatores específicos, controlados, em última análise, por alguns genes (Botelho, 2004).
ResponderExcluir